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A Cintura 56 de Caio Andrei



@cintura56

Por Letícia Mendes, Tainá Aleixo e Carolina Lapa

Na última terça-feira (03), a exibição do curta “Cintura 56”, do diretor e estudante de cinema Caio Andrei, escancarou as portas do Centro de Cultura Camillo de Jesus, em mais uma tarde de atividades da Mostra Cinema Conquista 14º edição, na sessão das 15h. A busca pelo padrão ideal do corpo, baixa autoestima e bulimia foram os temas escolhidos para a composição do roteiro.

O diretor nos apresenta como ponto central do curta a intimidade de uma adolescente diante do cenário de repulsão à sua autoimagem. Condenada a sentir-se inferior à silhueta de garotas e manequins considerados o modelo do padrão de beleza feminina, Dora vê-se diante de uma batalha diária para conquistar a tão desejada cintura 56. Caio, ao ser abordado a respeito da iniciativa para a escolha do roteiro, nos conta que a ideia surgiu mediante a uma conversa com Paloma Oliveira, a protagonista,cuja tema foi a questão dos paradigmas impostos para a valorização do corpo feminino.“(...)E aí, no meio da conversa eu visualizei assim... Eu nem conhecia Conquista direito, mas visualizei a primeira cena numa vitrine de uma das lojas da Olívia, que é justamente a cena que abre o filme,que é ela observando os manequins, com eles dando a ideia de imposição de poder,que estão acima dela. Eu falei ‘cara, a gente tem que fazer esse curta!’”. 

Caio deixa claro que o objetivo central de toda a produção,ao abordar as temáticas baixa autoestima e aceitação da mulher perante o próprio corpo,nunca foi transmitir mensagens de autoajuda, e sim gerar reflexões e críticas. “(...) Ao invés de mostrar o que é certo,o que seria o melhor caminho a se seguir, a gente mostrou a crua realidade como ela é.Então,todo mundo é Dora, todo mundo tem um pouquinho de Dora dentro de si. Não importa o peso, você nunca tá perfeito, nunca se sente bem o bastante. E foi isso que a gente quis tentar mostrar da perspectiva de uma dessas pessoas, mostrar que: pra que isso, sabe? Como no final, a partir do momento que a Dora encontra aquela aspirante a modelo no banheiro,ali é o clímax do filme, a gente tentou trazer esse questionamento: ‘pra que precisa chegar a esse nível?’. E foi isso que a Dora percebeu naquele momento. Por isso que no final ela volta a olhar para o manequim com outro olhar, porque não precisa você ter essa cobrança toda consigo mesmo se você pode simplesmente estar de bem com o seu corpo e aproveitar o que você tem, valorizar que você tem saúde, e que você não precisa entrar em um padrão louco que nunca vai se saciar.”

Quando questionado a respeito dos maiores desafios enfrentados no desenvolvimento do curta,sem hesitar o diretor apontou a falta de verba como o principal, e que, apesar disso,o resultado foi positivo. “(...) Várias pessoas,logo após a gente terminar de filmar falaram: “não, não tem como fazer ficção sem verba”, e eu achei bem interessante porque foi isso que a gente fez. Por mais que a gente não tivesse verba, na cara e na coragem, a gente gravou esse curta em uma loja, no centro de cultura, numa academia, na casa de alguém. A gente conseguiu fazer toda uma direção de arte, não a melhor que poderia ser,mas o melhor que a gente pode fazer, nas condições que a gente tinha de dinheiro.Caio ainda revela que já tem um novo projeto em andamento, e que este terá como foco as mídias sociais e a “sociedade dos seguidores”.


Por fim, sabe-se que a indústria audiovisual brasileira vem sofrendo inúmeros ataques e censuras por parte do governo. “(...) O que a gente precisa fazer agora é resistir. E como a gente resiste? Prestigiando o trabalho dos outros,  frequentando os cineclubes, indo ao cinema, mas acima de tudo,produzindo. Então hoje, só o fato do pessoal estar ali, o fato da gente ter se mobilizado durante esses meses pra produzir o curta, tudo isso é ato de resistência, e se a gente quiser passar por esses tempos escuros, a gente precisa se juntar e continuar nesse esforço de resistir cada vez mais”. Caio acredita que a Mostra Cinema, diante deste cenário obscuro ao cinema nacional, tornou-se um instrumento indispensável de incentivo ao público ao consumo do cinema, resistência. Destaca o quão gratificante é ver pessoas da região exibindo os seus próprios produtos.


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