Por Amanda Barretto e Fábio Sena
Maria Fernandes Marighella – neta do político
comunista e escritor Carlos Marighella e atual Assessora de Gestão e
Planejamento do Governo do Estado – esteve presente na abertura da 14a Edição da
Mostra de Cinema em Vitoria da Conquista e conversou com a equipe do Megafonte sobre as dificuldades que a produção cultural vem enfrentando no âmbito federal,
devido especialmente ao que ela chama de “ataques do Governo”, bem como no
âmbito regional, com a persistente desigualdade entre a capital e o interior da
Bahia em relação à distribuição dos recursos destinados à cultura.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Megafonte: O presidente Jair Bolsonaro possui um
conceito próprio do que é arte e cultura. E está ocorrendo por parte do governo
uma tentativa de interrupção de processos criativos no campo cinematográfico.
Boa parte da população ainda não entende o que isso significa, mas no médio e
longo prazo como isso afeta as pessoas?
Maria Marighella: Não precisa nem avaliar de médio
ou longo prazo. Em curtíssimo prazo a gente vive uma cena de interdição do
pensamento, esse ataque que não é só na cultura como também na educação, na
ciência, na tecnologia e no meio ambiente. É um ataque em primeiro lugar ao
debate de políticas públicas. Sobre soberania, pensamento livre. Ou seja,
qualquer dimensão do pensamento está comprometida com essa política que está em
curso. Então, obviamente, isso é uma violação na dimensão de direitos,
intervindo no que pode e no que não pode ser mostrado na arte, se configura
como um crime de censura, previsto na constituição através do seu Artigo 5. Temos
que falar sobre os efeitos a longo prazo, mas também analisar o impacto
imediato. As nossas atividades já estão sendo abaladas e a reação também
precisa ser imediata.
O grande problema é que os meios de comunicação, a
mídia hegemônica, de algum modo, não comunica de maneira aberta o que está
acontecendo no Brasil: as violações, interdições e o não-cumprimento do que está
escrito na Constituição. Por isso, precisamos encontrar um jeito de comunicar a
sociedade sobre esses ataques. Nosso compromisso agora é dar ciência o máximo
que a gente pode. E também ressaltar o que a arte vem construindo desde antes
da redemocratização do país, ou seja, essas discussões não tem a ver com o que
aconteceu nos últimos 10 anos ou com um governo especifico. Elas são conquistas
que estão em curso antes dos anos 80, são lutas que não podem retroceder. O
audiovisual vive um momento emblemático no Brasil e a Mostra significa um
espaço para dialogar, comunicar e promover pensamento. E não só isso, aprender
a lidar com esse novo Brasil que se apresenta. É o nosso dever e é isso que a
gente está fazendo. Os festivais têm um papel fundamental, são espaços de
formulação de futuros que vamos ter que construir a partir dessa intervenção
tão brutal.
DESIGUALDADE
DE RECURSOS CULTURAIS
Megafonte: Sempre houve na Bahia uma grande queixa
por parte de quem mora no interior de que há uma exacerbação de uso de dinheiro
público por parte Governo do Estado, priorizando a capital, Salvador, em detrimento
do interior. Isto mudou razoavelmente no governo de Jaques Vagner e Rui Costa
mas o drama ainda permanece. Qual é a dificuldade do governo enxergar o
interior como potencial econômico na cultura? Do ponto de vista da autonomia,
um teatro como o Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, por exemplo, passou
cinco anos fechado. Não há uma justificativa plausível para isso. É necessário
também recobrar um pensamento sobre a interiorização desses investimentos.
Maria Marighella: A gente não deve tolerar nenhum
tipo de desigualdade no Brasil, seja do Sudeste em relação ao Nordeste, seja as
capitais em relação a outros territórios ou do centro urbano em relação ao
rural. Eu estou no governo tanto no estadual quanto no federal, agora na
Secretaria de Cultura da Bahia, sei que nós temos dificuldades enormes
orçamentárias e esta é uma luta que deve ser incansável. Eu penso que esse
esforço federativo de entendimento deve haver de toda a parte e diariamente.
Por outro lado, eu acho que a sociedade civil também tem responsabilidade, é
uma responsabilidade de todos nós.
Quando o país está em um vetor de economia crescente
é mais fácil ativar essa política, mas é justo na crise que fica muito
complicado e é nesse sentido que a nossa organização de pensamento deve se
ater, seja de formulação ou reinvenção. Porque precisamos entender que o que a
gente conquistou em 2013 não conseguimos mais agora por que é uma realidade
política distinta. Sem a participação do governo federal.
O Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima ficou
fechado em um contexto muito hostil, ou seja, no fim de uma gestão, no meio de
um grande contingenciamento. O primeiro ano de 2015 foi muito difícil engajar
todos os recursos necessários. Acho que a gente precisa fazer leituras não para
justificar, mas para buscar meios de melhor pressionar. A democracia precisa de
participação, de invenção e de mobilização recursos. Eu estava na Diretoria de
Recursos Culturais, vi o engajamento de todo o Governo do Estado, e não estou
falando só de Secretaria da Cultura, mas de todas as secretarias envolvidas. E
também o entendimento de como um espaço cultural vivo é fundamental, de como
ele é capaz de mudar a feição de uma cidade dando novos contornos urbanos. Temos
muito chão pela frente e penso que esse debate tem que ser colocado, visando
formas de potencializar a cultura e de colocá-la no centro do desenvolvimento
das cidades e estados.
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