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"Glauber é uma figura que ajuda a pensar um Brasil que a gente precisa pensar", diz Marcelo Lopes.


Por Gabriel Aguiar, Gabriela Ferraz e Amanda Barretto.


Ontem, dia (01), foi realizada a abertura da Mostra Cinema Conquista 14a Edição, tendo como tema os 80 anos de Glauber Rocha. No evento, estavam visitantes, estudantes, professores, cineastas, intelectuais e jornalistas que preencheram os principais espaços do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. Dentre os presentes, estava Marcelo Lopes: Cineasta, Professor e Presidente do Instituto Mandacaru. Segundo ele, Glauber Rocha é essencial para que possamos nos orgulhar de sermos brasileiros e do que é produzido em nosso país.

Confira, abaixo, a entrevista com Marcelo Lopes:

Megafonte: Gostaríamos de saber se tem algum critério que é usado para escolher os filmes que vão ser exibidos aqui?
Marcelo Lopes: Hoje a Mostra já está estabelecida desde praticamente o início, que boa parte da programação era sempre de filmes Brasileiros. Do terceiro ano em diante só passou a ser filme Brasileiro. São filmes Brasileiros, de preferência, filmes Nordestinos, porque é um espaço, um circuito de exibição de coisas muito próximas à nossa realidade, da nossa identidade; filmes Baianos, a gente dá espaço também para a produção local, porque tem muitos alunos do curso de cinema, do pessoal da região aqui também, que não necessariamente são do cinema, mas que produzem material por aqui. Os curtas são exibidos junto com os longas, nesse formato, são dois curtas e um longa. E os curtas geralmente dão muito espaço pra muita gente daqui da região, do Nordeste, de uma forma geral. Então os critérios são estes: filmes mais recentes, filmes Brasileiros, e mais próximos da nossa realidade. Porque a Mostra é um lugar pra circular nossa produção, porque é importante que a gente fale sobre cinema Brasileiro, da perspectiva da nossa identidade. Isso que é importante pra gente. Quando a gente fala da nossa identidade, ele tá falando da afirmação de quem nós somos. E a gente é muito massificado com um cinema que não é nosso, que vai falar de um Capitão América... Enfim, sei que tem um papel no mercado, muita gente assiste, eu assisto, todo mundo assiste. Mas, efetivamente para a nossa cultura isso não faz diferença, muito pelo contrário, tira nossa identidade.  

Megafonte: Em comemoração aos 80 anos de Glauber Rocha, vocês fizeram uma divulgação, uma programação diferente para esse ano?

Marcelo Lopes: O que a gente tem com relação ao Glauber, esse ano vai ter uma mesa. Ao longo do tempo, a própria prefeitura, algumas entidades e o próprio governo do estado fizeram uma série de atividades relacionadas com a memória de Glauber. Não por acaso, tem um filho de Glauber aqui hoje na programação, a filha de Glauber também vem cantar aqui hoje, você tem uma mesa, uma exposição relacionada a Glauber Rocha. É uma referência desde sempre para a Mostra. Esse ano a gente tá celebrando, fazendo parte de uma programação mais extensa, celebrando os 80 anos dele, porque Glauber é uma figura que ajuda a pensar um Brasil que a gente precisa pensar. Um Brasil que tem que se afirmar como brasileiro, não se afirmar abaixando a cabeça para ninguém. Se afirmar como um povo que tem um potencial gigantesco de desenvolvimento, de crescimento, um gigante na América Latina que não se enxerga assim, principalmente agora. Mas, pelo contrário se enxerga menor que todo o mundo.  E é muito sério o que está acontecendo. O próprio Glauber falava há muito tempo sobre isso. Ele passou muito tempo batendo cabeça com essa questão. Hoje, pensar o que Glauber dizia, pensar o que ele produzia, pensar o que ele colocava como pauta, é importantíssimo para pensar que nós somos brasileiros. E quando a gente traz Cinema Brasileiro, a gente traz Glauber Rocha pra cá, quando a gente puxa uma discussão sobre identidade brasileira, sobre cultura, sobre a arte que está sendo demonizada, hoje em dia, a gente tá falando sobre nos afirmarmos como País, como nação.

Megafonte: Eu gostaria de saber qual a importância da Ancine nas produções cinematográficas brasileiras e como avalia essa possível extinção dela, no Brasil?

Marcelo Lopes: A Ancine é um órgão regulador, é um órgão de fomento. É o órgão que vai dar suporte pra toda produção cinematográfica no Brasil. É o órgão que faz arrecadar recursos, mas também faz os recursos ‘voltar’. A grande questão do Brasil é que a gente tem um Presidente que é antologia de todos os sensos comuns que a gente tem no Brasil. Então é um cara preconceituoso, é um cara que enxerga a arte como um lugar demonizado, um cara que é misógino... E ele quer impor uma visão dele com relação à diversidade do Brasil. A Ancine, como órgão regulador, como órgão que faz parte de uma estrutura democrática do País, é uma estrutura do estado que dá conta de regulamentar e de dar suporte e fomento para o cinema Brasileiro. O cinema Brasileiro que é diverso e que vai falar sobre tudo, vai falar sobre todos os tipos de filme e, ele, na visão tosca que ele tem, que determinados filmes não podem caber no que ele chama de ‘família tradicional Brasileira’. Ele é o contrassenso pra tudo! A cada dia, a gente coleciona uma série de pérolas ridículas que ele fala, e sentimos o impacto disso quando o cara é chefe de Estado. Quando a Ancine é demonizada, quando a Ancine é colocada, segundo ele, de acordo aos filtros que ele acha que deve ter ou extinguir, ele tá violentando o Brasil. Tá violentando a capacidade de Diversidade criativa do Brasileiro. A Ancine é um lugar importante, é uma instituição importante. Ela tem um papel fundamental, mas a gente não pode ficar a mercê de um cara louco como esse.

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