por Fábio Sena
Filha do cineasta conquistense Glauber Rocha com a também cineasta, fotógrafa e artista plástica Paula Gaitán, a cantora Ava Rocha se apresentou agora à noite no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima com o espetáculo Tranças, abrindo oficialmente a Mostra Cinema Conquista, que em sua 14ª edição celebra, com uma rica programação, os 80 anos de nascimento do pai do Cinema Novo.
Filha do cineasta conquistense Glauber Rocha com a também cineasta, fotógrafa e artista plástica Paula Gaitán, a cantora Ava Rocha se apresentou agora à noite no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima com o espetáculo Tranças, abrindo oficialmente a Mostra Cinema Conquista, que em sua 14ª edição celebra, com uma rica programação, os 80 anos de nascimento do pai do Cinema Novo.
Em conversa com os jornalistas no início da tarde, Ava
Rocha falou sobre o legado de Glauber Rocha para o Brasil e da importância de
resgate permanente de sua memória para os enfrentamentos políticos e sociais
contemporâneos, especialmente numa conjuntura em que “há uma energia esquisita
no mundo, misteriosa”. Neste contexto – afirma Ava Rocha – é fundamental evocar
o pensamento de seu pai.
“A obra do Glauber e o pensamento dele são luminosos
para o Brasil. Então, para quem cultiva a beleza, a igualdade, a arte, a vida,
enfim, a potência do Brasil, para quem cultiva a memória, devemos cultivar esta
entidade que ele é, porque ele criou um pensamento, ele criou uma presença, e
ele segue a inspirar muita gente nesse movimento que, como eu disse, não é só
artístico, é político, é espiritual”.
Sobre Tranças, com o qual está em turnê pelo Brasil,
Ava Rocha explicou que o espetáculo também traz “recortes sonoros” da obra de Glauber,
e que pretende falar com o público sobre esta vasta temática social. “Eu sei
que Vitória da Conquista não é uma terra fácil. É uma terra de muita violência,
injustiça, massacre, enfim, controvérsias, então venho evocando e representando
todas as minorias, os índios, os negros, a Bahia, o Brasil”.
Abaixo, na íntegra, o depoimento de Ava Rocha
durante entrevista coletiva concedida na Sala de Imprensa da Mostra Cinema
Conquista.
MEMÓRIA VIVA
“Eu acho que a obra do Glauber, o legado dele
atravessa os tempos, atravessa qualquer polêmica. Acho que o importante é que,
de fato, a sua memória se mantenha viva, pela contribuição dessa memória e
desse legado para o Brasil. É muito importante, por exemplo, a homenagem no
Aeroporto Glauber Rocha e tudo o mais, é importante que esse nome seja evocado.
É pelo bem do Brasil. Qualquer lacuna em relação a isso a gente deve corrigir.
Então, se aqui ‘tava um pouco desconectado, então agora a gente está num
momento de conexão, e isso é importante, e que isso seja exemplo, que se
fortaleça, são pequenas ações em rede que vão construindo o imaginário, e isso
não diz respeito apenas ao Glauber, quando a gente fala de memória no Brasil”.
PRESENÇA DE
GLAUBER NAS CANÇÕES
“Ele pensava o Brasil, ele pensava a revolução, a
libertação de tudo que nos condena até agora. Então, esse pensamento associado
à visão estética dele, à visão artística dele, no que diz respeito a uma interligação
entre o que é a vida, a própria coragem, digamos assim, o que ele colocava como
visão de mundo, a coragem, o risco, são elementos fundamentais para avançar com
a sua arte num terreno que também é político, num terreno que é não só político
pela política, mas das transformações que são sociais, espirituais ... porque
agora a gente tá num momento de se salvar”.
HERMETISMO EM GLAUBER?
“Partindo do princípio que a gente vive um controle
de mercado, uma hegemonia de mercado, então, acho que não é a obra dele que é
hermética, a nossa cabeça é que, de alguma maneira, está estagnada. A partir do
princípio de que o mundo não é só o que gira ao nosso redor, partir do
princípio de que nós não somos o umbigo e que são muitas estradas, muitas
terras e muitos cruzamentos. Então, se você quer se surpreender na vida, por
exemplo, encontrando um novo amor, você tem que ter esta mesma relação com a
arte, porque tudo faz parte de um mesmo mundo. Aí depende da curiosidade, do
que te move no mundo. Mas a gente tem que partir do princípio de que a gente
vive num sistema aprisionado, que nos ensina a nos acostumarmos com muitas
coisas, inclusive com a desigualdade que tem esse país. Então, acho que é uma abertura
total da vida, e os filmes do Glauber proporcionam esta experiência de conexão
com coisas que a gente não está acostumado. E ele já coloca isso na obra dele. Na
Estética da Fome ele coloca isso muito bem, quando ele diz que o povo é
subestimado em sua inteligência, como se o povo não fosse capaz de compreender
algo que, na verdade, lhes é negado, e a gente sofre até hoje e cada vez mais
as consequências disso tudo, seja na arte, na alimentação, seja na natureza
pegando fogo. Ou seja, é a falta de informação total e a desconexão total. A gente
não sabe nem cuidar de nosso corpo”.
COMO TEM
LIDADO COM OS ATAQUES DO GOVERNO BOLSONARO
“Pessimamente. É um desmonte da cultura, um desmonte
da memória. Já é um passo adiante do capitalismo. É uma tentativa de se
refundar culturalmente o Brasil, oprimindo a memória para se refundar uma coisa
que é muito bizarra, que não tem nada a ver. Mas para mim é apenas uma
tentativa. Isso vai passar. É parte do movimento das almas, da História. Acho que
não é o Bolsonaro. O pior é que ele representa algo, uma energia esquisita no
mundo, misteriosa, que a gente precisa enfrentar. O momento que sinto é de luta
e de cura, de superação. É uma questão da humanidade e o Brasil está passando
por este momento. Mas está tudo acontecendo no mundo”.
SER FILHA DE
GLAUBER E CESCER SEM A PRESENÇA DELE
“Crescer sem a presença de um pai ou de uma mãe é
muito triste, porque a gente sente saudade. A minha relação é esta: de saudade.
Como ele dera o homem que ele era, eu tenho essa possibilidade de me conectar
com ele através da obra que ele deixou. Então é forte. É triste porque ele não
está aqui. Todo mundo sente a sua falta... e é lindo porque é uma presença que
sempre me ilumina”.
EXPECTATIVA
PARA A MOSTRA
“Como eu disse, a obra do Glauber e o pensamento
dele são luminosos para o Brasil, então, para quem cultiva a beleza, para quem
cultiva a igualdade, a arte, a vida, enfim, a potência do Brasil, para quem
cultiva a memória, devemos cultivar esta entidade que ele é, porque ele criou um
pensamento, ele criou uma presença, e ele segue a inspirar muita gente nesse movimento
que, como eu disse, não é só artístico, é político, é espiritual, é uma questão
de libertação mesmo do mundo que a gente vive. Então ele é uma peça-chave, mas
não é ele sozinho. Quando a gente pensa que completa um ano que o Museu
Nacional pegou fogo, tudo começa a se tornar muito pequeno, muito vazio, muito
insignificante, então muitas vezes penso assim: precisamos trabalhar nossa
memória porque ela está sendo definitivamente ceifada, assassinada, queimada. Até
a Amazônia está sendo queimada. Tudo está sendo queimado. É difícil dizer que o
Glauber precisa ser homenageado quando as plantas estão morrendo. Então é um
trabalho de formiga, é preciso essa conexão inteira, e o Glauber é uma
peça-chave, ele é uma entidade-chave nesse trabalho que a gente precisa fazer,
mas isso precisa ser aliado a uma compreensão ampla do que é memória, do que é
nossa riqueza, do que é nossa sabedoria popular, do que é nossa ancestralidade,
e o que este pensamento dele e outros pensadores importantes unidos trazem como
instrumento de luta, de reflexão, mas não pode ser desconectado. A Mostra está
fazendo uma coisa importante, lógico, mas é fundamental que nossa energia...
que a gente seja capaz de ir multiplicando essas coisas, ligando, trançando”.
SOBRE O
ESPETÁCULO TRANÇAS
“Eu tô em turnê com meu show Trança, que é do meu
último disco, que, em suma, ele aborda essa reflexão que tô passando pra vocês...
trança, trançando.... ele aborda um pouco isso, tem esse desejo... esse show ele
se trança com o local, com o momento, com as possibilidades, então está sempre
se reinventando. Então, esse show de hoje é especialmente dedicado a minha avó Lúcia
Rocha, que pariu o Glauber, que é a mãe do Glauber, então é a mãe dele e a mão,
de certa forma, do cinema brasileiro. Então vou dedicar a minha avó, portanto,
ao meu pai, portanto à minha tia Anecy e a todas as pessoas queridas da minha
família, à minha memória e às minhas próprias raízes. Que esse show seja capaz
de evocar isso que estou dizendo, a nossa força. Eu sei que Vitória da
Conquista não é uma terra fácil. É uma terra de muita violência, injustiça,
massacre, enfim, controvérsias, então venho evocando e representando todas as
minorias, os índios, os negros, a Bahia, o Brasil. Esse show especificamente
vai trazer algumas músicas do repertório de meu pai. Porque existe um recorte
sonoro possível muito importante na obra dele. E como se trata de música essa
abordagem que vou trazer dele”.
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